O uso contínuo de palavras pode desgastá-las a ponto de alterar sua grafia e pronúncia, dando origem às chamadas "corruptelas". Mas o que é isso?
A corruptela é um dos fenômenos mais comuns da fonética das línguas. Trata-se de passar adiante uma informação de maneira distorcida por não a termos compreendido bem.
Na verdade, não é só o mau entendimento de uma expressão que gera a corruptela. O uso contínuo das palavras, assim como o de qualquer outro utensílio, provoca com o tempo o seu desgaste. Mas, neste caso, a razão principal é a lei do mínimo esforço, ou "lei da preguiça". Um exemplo disso é a antiga vossa mercê: Como pronunciar constantemente "vossa mercê" dava trabalho, passou-se a pronunciar "vosmecê", "vossuncê", "vancê" e "você". E hoje já se diz "ocê", "cê" e "vc".
O mesmo aconteceu com a interjeição de susto "Virgem Maria!", que foi reduzida a "virgem", depois a "vige", "vixe" e "ixe".
Tudo por economia de esforço.
Certo dia, ao ver um indivíduo muito agitado, alguém disse algo como "parece que esse sujeito tem bicho no corpo inteiro". A má compreensão dessa frase levou à famosa expressão "ter bicho carpinteiro".
Outro caso de corruptela ocorreu com a palavra estimar:
Antigamente, quando alguém adoecia, era comum e educado fazer votos de pronto restabelecimento dizendo ao doente "estimo a sua melhora", em que o verbo "estimar" tinha o significado de "ficar feliz com" e portanto "desejar". Assim, o sentido da expressão era "ficarei feliz que você melhore logo" ou "desejo que você melhore".
Só que esse sentido de "estimar" se tornou obscuro com o tempo e, como as palavras se gastam, e as pessoas que as ouvem as replicam com falhas, a expressão "estimo a sua melhora" virou "estimo as melhora", depois "corrigida" para "estimo as melhoras" (com direito a concordância e tudo) e finalmente resultou na hoje enigmática expressão "estimas melhoras". Curioso, não?
Mas a corruptela não existe só em português. Todas as línguas experimentam esse processo, já que a preguiça é universal.
Em inglês, a expressão equivalente a "custar os olhos da cara" é to cost a nominal egg, literalmente "custar um ovo nominal". Ovo nominal, que diabo é isso?
Na verdade, a expressão original, deturpada pela má compreensão, é to cost an arm and a leg, isto é, "custar um braço e uma perna".
Realmente os brasileiros não são os únicos a brincar de telefone sem fio.
Entretanto, este fenômeno está longe de ser de fato uma corrupção, pelo menos com o significado negativo que essa palavra tem. A corruptela é, na verdade, um processo legítimo de evolução linguística.